Psicose em “Horse Girl” – Netflix
Publicado por Priscilla Falcão em
Em ‘Horse Girl’, Sarah é uma jovem sem muitos amigos que trabalha em uma loja de materiais artísticos e curte seus hobbies solitários, como assistir várias vezes uma mesma série e visitar o cavalo que costumava montar quando criança.
No filme, acompanhamos a perda gradativa do contato com a realidade sob a perspectiva da protagonista. A narrativa vai se tornando cada vez mais caótica e abstrata, e, por mais que não consigamos compartilhar de sua lógica, somos transportados para dentro dela. Compartilhamos então da angústia de Sarah em não entender a estranheza do que está acontecendo. Somos assim levados a vê-la com empatia e sentir como suas vivências, que a tornam ainda mais alheia ao mundo à sua volta, trazem medo, solidão e uma sensação de impotência.
A tradução do título para o português, “Entre mundos”, expressa bem a sensação estar em uma realidade que não é compartilhada com mais ninguém. O filme deixa em aberto as possibilidades – é delírio ou é verdade? Alison Brie, a atriz principal e co-autora, deu entrevistas dizendo que o roteiro foi inspirado em sua história familiar. Sua avó tinha esquizofrenia, transtorno em que sintomas psicóticos estão presentes, mas que podem ser controlados com tratamento adequado.
O filme consegue ser preciso em algumas características presentes na psicose:
1) O quanto os delírios e alucinações são vivenciados como totalmente reais para quem os vivencia – portanto, nada de combatê-los apenas com dizeres de “isso não é verdade”, “isso não é possível”, “isso não tem lógica”, etc. Para quem os está experienciando, eles são tão claros e óbvios quanto a certeza que você tem de estar lendo essas palavras, e usar esse tipo de estratégia apenas gera mais estresse e sofrimento.
2) Há uma quebra de contato com a realidade, de forma que nem mesmo as pessoas do mesmo contexto social, cultural ou religioso conseguem compartilhar das mesmas crenças. Ou seja, para que fique bem claro: vivências que são claramente compartilhadas com outras pessoas do mesmo contexto social, cultural ou religioso não se tratam de sintomas psicóticos!
3) É preciso ter sensibilidade e respeito para lidar com alguém experienciando sintomas psicóticos, tendo em mente que elas estão sofrendo e se sentido sozinhas por não serem entendidas. O melhor que podemos fazer, além de ofertar tratamento adequado, é oferecer apoio, entendendo que elas estão nos oferecendo 100% da sua verdade, não estão mentindo ou dizendo coisas para nos manipular.
É bom lembrar que cada experiência psicótica é única (os temas e histórias são muito variados de pessoa para pessoa). O filme em questão traz uma história em particular, certamente embalada por nuances artísticas que só poderiam estar presentes em uma obra de ficção, mas que trata o adoecimento mental com muita sensibilidade e respeito. Por isso, fica a dica para esse domingo: Horse Girl (Entre Mundos), disponível na Netflix.
Escrito por Dra. Priscilla Falcão – Psiquiatra
Se quiser saber mais sobre quando ir ao Psiquiatra, veja esse texto: https://priscillafalcao.com.br/?p=4679
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